Em 1945, Jung escreveu isso sobre a culpa coletiva sentida pelos alemães e pelos europeus por conta dos crimes cometidos pelo nazismo e durante a Segunda Guerra Mundial:
"A sensação que todo crime provoca, o interesse apaixonado pela perseguição e julgamento do criminoso, etc., demonstram que praticamente todo mundo, desde que não seja insensível ou apático de forma anormal, é excitado pelo crime. Todos vibram conjuntamente, todos se sentem dentro do crime, tentam compreendê-lo e esclarecê-lo... Algo se acende, o fogo do mal que flameja no crime. Platão já sabia que a visão do feio provoca o feio na alma. A indignação e a exigência de punição se levantam contra o assassino e isso tanto mais violenta, apaixonada e odiosamente quanto mais ferver a chispa do mal dentro da própria alma. É um fato inegável que o mal alheio rapidamente se transforma no próprio mal, na medida em que acende o mal da própria alma. O assassinato acontece, em parte, dentro de cada um e todos, em parte, o cometeram. Seduzidos pela fascinação irresistível do mal, todos nós possibilitamos, em parte, a matança coletiva em nossas mentes e na razão direta de nossa proximidade e percepção. Com isso, estamos irremediavelmente imiscuídos na impureza do mal, qualquer que seja o uso que dele fizermos. Nossa indignação moral cresce em virulência e desejo de vingança quanto mais forte arder em nós a chama do mal. Disso ninguém pode escapar, pois somos todos humanos e pertencemos igualmente à comunidade dos homens. Assim, todo crime desencadeia num recanto de nossa mente múltipla e variada uma satisfação secreta que, por sua vez, em caso de disposição moral favorável, produz uma reação oposta nos compartimentos vizinhos. Disposições morais fortes, porém, são infelizmente raras. Quando os crimes aumentam, a indignação predomina e o mal se converte em moda. De santo, louco e criminoso todos temos 'estatisticamente' um pouco. Graças a essa condição humana universal existe, em todas as partes, uma sugestibilidade correspondente ou propensão. A nossa época, isto é, os últimos cinquenta anos, preparou o caminho para o crime. Será que, por exemplo, o grande interesse pelos romances policiais não nos parece suspeito?"
(Carl G. Jung, Depois da catástrofe, 1945)
O ser humano pulsa em movimento de sístole e diástole. Traz o desejo de comunhão e de individualidade que, na prática, acaba caindo em coletivismo despersonalizante ou em individualismo solipsista. O mal é um nada,uma espécie de retração do ser - negação de si e/ou do outro (atualizando aqui a teoria agostiniana do mal sem o dado religioso que me é caro). Mata o outro para triunfar o eu. Mata o si-mesmo para o eu ser um outro. Parece-me que a lógica indígena - guerreira sem ser bélica - é bem interessante. O indivíduo é importante por que parte de um todo. O todo é importante em cada um dos indivíduos. Além da antropofagia (mesmo cultural)onde se pode ser um outro sem deixar de ser si mesmo. Não se mata simplesmente, encorpora-se o outro. O fascínio do mal, para mim, se dá pela dificuldade ocidental em habitar na dobra e viver o paradoxo. Que não se elimine a tensão. Vide o arco feito por concreto propendido. A tensão é o que eleva.
ResponderExcluirQue comentário lindo, Gilmar! Obrigada por escrevê-lo e deixá-lo por aqui! :)
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