terça-feira, 8 de julho de 2014

Edgar Morin e engajamento

Trecho de O homem e a morte, de Edgar Morin (p.270 a 272):

Política e morte

Na dialética que remete do niilismo para as participações e das participações para o niilismo, nesse clima de nevrose de morte, a participação política militante metamorfosear-se-á por vezes em salvação individual. Neste caso, o militantismo surge como uma resposta ao desespero. Essa escolha dá muitas v ezes a síntese nevrótica do desesperado-militante e do militante desesperado. Esse tipo de heróis tornou-se clássico desde Lawrence da Arábia e de Garine de Malraux.

O intelectual procurará, pois, esquecer a sua morte, precisamente na participação que lhe parece mais estranha, e precisamente a fim de se escapar, de se "divertir", no diferentes dos intelectuais militantes do sentido pascaliano do termo.

Existe há pouco menos de um século uma nova espécie de intelectuais políticos chamados engagés, absolutamente diferentes dos intelectuais militantes do século das luzes e de 1848. A palavra engagé tem um sentido muito lato; esses intelectuais metem-se na política como outros entram para a Legião. A Legião é o remédio do desesperado; proporciona-lhe a participação mais rigorosa, como um colete de aço que incomoda, mas permite que esteja de pé, caminhe e viva. E, além disso, a ultrapassagem, o esquecimento, a aventura... Do mesmo modo, para o intelectual à volta de quem definharam ou se romperam os vínculos de participação, que teme o isolamento mortal, a política é qualquer coisa que soa como o tarará espartano, o clarim da Legião. Gostaria de ser o grande tatuado ideológico que aprecia o cheiro da areia quente.

Deste modo, Barrès, o niilista desiludido, torna-se o chantre da terra e dos mortos, porta-bandeira do nacionalismo integral, e busca até a graça religiosa, que se lhe recusa, embora entre devotamente em todas as igrejas de França. Malraux procurou na revolução a grande participação biológico-guerreira, a "fraternidade viril", mas depois, decepcionado, refugiou-se na participação neobarresiana da terra e dos mortos. Mergulhou a sua morte em todos os rios, procurou afogá-la em todas as participações e encontrou-a sempre colada a si como uma túnica de Nesso. E quantas adesões nevróticas de intelectuais ao comunismo, para evitar "abrir a torneira do gás"!

Claro que a erparticipação política pode ser revitalizante e conter a nevrose de morte. Mas, em geral, quanto maior é a nevrose mais procura a religião comunitária, ou então o calor primitivo donde se elevam os cantos roucos. Extraordinária dialética em que a individualidade requintada, desiludida, só aspira de futuro à gregarização. O esteta frágil quer voltar ao bruto e tornar a ser bruto. Enfim, a guerra, ao mesmo tempo vertigem (a angústia procura o que a angustia) e remédio ("amorte é uma ideia de paisano"), é o último recurso da angústia de morte.

Tal como a salvação, a participação cívico-militar não segue, na maioria dos casos, expulsar a angústia e a dúvida. Os engagés aplicam a si mesmos os conselhos de Pascal: ide à missa, "embrutecei-vos". Mas às vezes riem escarninhos, à socapa, no momento da elevação da hóstia. Oscilam entre o fanatismo e o ecletismo, o desespero e a exaltação. Embora mais ou menos camuflado, o seu drama permanece intacto: crêem sem crer, a menos que o embrutecimento leve a melhor*.

*O  intelectual pode e deve participar na cultura e tomar partido por ela ou pela humanidade inteira. Mas, se se torna legionário (engagé) ou inquisidor (enragé), a participação torna-se mais regressiva do que progressiva.

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