terça-feira, 29 de julho de 2014

Flusser: A Dúvida (A teia, o pensamento, a realidade)

"A teia dos pensamentos se afigura como uma camada que se interpõe entre o Eu e a realidade, tapando a visão da realidade, apresentando indiretamente essa realidade e o Eu, e representando essa realidade para o Eu. As palavras "tapar'', "presentear" e "representar" são homônimas em alemão, a saber, vorstellen. A teia dos pensamentos é aquilo que Schopenhauer chama de Vorstellung. A teia dos pensamentos é, então, aquele véu tecido de ilusões que deve ser rasgado de acordo com o ensinamento hindu, e que lá é chamado de maia."
p.41

"Os psicólogos comparativos afirmam, ao tentar explicar o mundo efeito das aranhas, que esse mundo se reduz a acontecimentos que se dão nos fios da teia. Acontecimentos que se dão nos intervalos entre os fios da teia não participam do mundo efetivo (real = wirklich) da aranha, mas são potencialidades, são o vir-a-ser da aranha. São o fundo inarticulado, caótico, "metafísico", de uma aranha filosofante. A aranha-filosófo afirma, nega ou duvida dos acontecimento metateicos, a aranha-poeta os intui, a aranha-criadora se esforça por precipitar tudo sobre os fios da teia, para tudo compreender e devorar, e a aranha-mística se precipita para dentro dos intervalos da teia para, numa união mística, fundir-se no todo e libertar-se das limitações da teia. A aranha é um animal sumamente grato à psicologia comparativa, porque dispõe de uma teia visível; os demais animais, inclusive o homem, devem contentar-se com teias invisíveis. A teia do homem consiste de frases, a forma (Gestalt) da teia humana é a frase. Visualizando a frase estaremos visualizando a teia do mundo efetivo, real, wirklich para o homem, estaremos visualizando a estrutura da "realidade"."
p.57

Vilém Flusser. A Dúvida. Editora Annablume. São Paulo, 2011.

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