Tenho relido textos da época da graduação, aqueles que eu havia tido contato nas aulas de Teoria da Comunicação no primeiro ano de Jornalismo. Alguns dos exemplos são os escritos "Comunicação de massa, gosto popular e a organização da ação social", de Robert K. Merton e Lazarsfeld, e "A indústria cultural", de Theodor Adorno. Nesses trabalhos há muitos conceitos que hoje, para a gente, são exagerados (maniqueístas) e até mesmo elitistas, mas certas coisas ainda fazem muito sentido, de alguma forma.
Boa parte dos conceitos vistos nesses textos citados aparece novamente na opinião de Milton Santos, que faz questão de trabalhar justamente a diferença entre cultura e indústria cultural. Separei algumas citações do artigo que achei interessantes quando dizem respeito sobre a distinção entre o que é uma mercadoria cultural e o que seria realmente cultura.
Acredito que hoje já deve existir uma crítica sobre a estereotipação e o dualismo que sustenta esse conceito de oposição, mas não vou levar o post para esse lado. Vejo isso se refletindo atualmente no âmbito literário (apesar de ser frequente em diferentes áreas), quando discutem a oposição entre literatura de entretenimento e livros que, de fato, seriam obras de arte por não terem a função de ser mercadorias e sim a passar uma experiência estética, narrativa e linguística primorosa. No entanto, até que ponto o produto massivamente vendido e divulgado também não se debruçou na pesquisa e na técnica (mercadológica e que segue a moda/status quo de seu momento) e até que ponto a suposta obra de arte também não tem a pretensão de se tornar mercadoria (no sentido de promover retorno financeiro ao autor) e ser bem divulgada? Como mencionou Adorno, citando Benjamin (A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica): "A indústria cultural se define pelo fato de que ela não se opõe outra coisa de maneira clara a essa aura [da obra de arte], mas que ela se serve dessa aura em estado dedecomposição como um círculo de névoa".
Enfim... o meu ponto principal é levantar o questionamento especialmente àqueles que se dedicam à atividade intelectual e criativa e que já se sentiram encurralados pela pressão mercadológica (indústria cultural).
(...) Hoje, a indústria cultural aciona estímulos e holofotes deliberadamente vesgos e é preciso uma pesquisa acurada para descobrir que o mundo cultural não é apenas formado por produtores e atores que vendem bem no mercado. Ora, este se auto-sustenta cada vez mais artificialmente mantido, engendrando gênios onde há medíocres (embora também haja gênios) e direcionando o trabalho criativo para direções que não são sempre as mais desejáveis. (...)
Nessas condições, é frequente que as manifestações genuínas da cultura, aquelas que têm obrigatoriamente relação com as coisas profundas da terra, sejam deixadas de lado como rebotalho ou devam se adaptar a um gosto duvidoso, dito cosmopolita, de forma a atender aos propósitos de lucro dos empresários culturais. Mas cosmopolitismo não é forçosamente universalismo e pode ser apenas servilidade a modelos e modas importados e rentáveis.
Nas circunstâncias atuais, não é fácil manter-se autêntico e o chamamento é forte a um escritor, artista ou cientista para que se tornem funcionários de uma dessas indústrias culturais. A situação que desse modo se cria é falsa, mas atraente, porque a força de tais empresas instila nos meios de difusão, agora mais maciços e impenetráveis, mensagens publicitárias que são um convite ao triunfo da moda sobre o que é duradouro. É assim que se cria a impressão de servir a valores que, na verdade, estão sendo negados, disfarçando através de um verdadeiro sistema bem urdido de caricaturas, uma leitura falseada do que realmente conta. (...)
Quem é gênio verdadeiro, quem é canastrão diplomado? Há quem possa ser gênio e mercadoria sem ser ao mesmo tempo gênio e canastrão, mas essa distinção não exclui a generalidade da impostura com que alhos e bugalhos se confundem. (...)
Como assegurar aos jovens que o seu esforço receberá, um dia, o reconhecimento? Esse é um grave problema do trabalho intelectual em geral e das tarefas especificamente culturais em particular, em tempos de globalização, sobretudo nos regimes neoliberais como o nosso.
Milton Santos. Da cultura à indústria cultural. 2000. Link
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