sábado, 11 de janeiro de 2014

Sobre o artigo "Fundamento da banalidade do mal"

Saiu na revista Filosofia, ciência e vida, ano VII nº 89, dezembro 2013, o artigo Fundamento da banalidade do mal, escrito por Flávio R. Vassoler, professor universitário, doutorando em teoria literária da USP. Infelizmente o material não está disponível no site da publicação que, para variar, chegou atrasada em casa e, por esse motivo, somado às pautas que sempre são sobre Nietzsche, Foucault, Marx, consumismo, feriado do mês e Confúcio, eu estou imediatamente cancelando minha assinatura - mas isso não vem ao caso... foi só um desabafo mesmo.


O assunto do post é que acabei de ler o artigo em questão, que foi um dos poucos que me chamou a atenção nessa revista, que antes era bastante interessante, principalmente por causa dos textos sobre filosofia da tecnologia, do colunista João de Fernandes Teixeira. Exatamente porque foca na obra Eichmann em Jerusalém, de Hannah Arendt, que é sempre muito usada para tratar sobre o tema da violência, banalidade do mal, porém o texto situa num contexto específico, que é o período nazista, portanto é necessário devido cuidado. Além desta autora, Theodor Adorno e Max Horkheimer são referências, junto de Wilhelm Reich que, no entanto, não aparece no texto, apenas na bibliografia.

O autor inicia o artigo com uma descrição quase épica, se não fosse violenta ou trágica demais, para retratar a cena que, no início da segunda coluna revela ser uma partida de paintball travada por um adolescente de 15 anos que exclama, em seguida, a seguinte constatação: "Demais, demais! Só não é mais real que o videogame! Lá a gente demora mais para morrer; lá também é mais fácil de matar...". Logo depois, o autor narra o caso do ciclista que foi atropelado na avenida Paulista e teve o braço decepado, mas com não menos dramatização que o fato anterior, tratando de saturar os tons do quadro em que o motorista leva o braço consigo e o joga no Rio Tietê.

Não suficiente, um novo crime brasileiro é mencionado, abrindo um novo "olho" não menos discreto, com direito a ponto de interrogação e exclamação: "FAÇA O QUE TEM QUE SER FEITO?!". O autor compara o caso do massacre do Carandiru ou mais especificamente o julgamento do coronel Ubiratan Guimarães à situação analisada por Arendt, chegando a fazer o seguinte convite:
"Que diria Hannah Arendt (1906-1975) se entrasse em contato com o fascismo à brasileira? A filósofa provavelmente descobriria quem são os símiles dos judeus por aqui. Os elementos do povo escolhido - e escorraçado. A escória que São Paulo varre para a cracolândia e para debaixo de seus viadutos. O que diria Hannah Arendt se, décadas após o julgamento do nazista Adolf Eichmann em Jerusalém, a filósofa fosse convidada para analisar o julgamento de Ubiratan Guimarães? Arendt estaria diante do coronel da Polícia Militar que, em 1992, após receber ordens do então governador de São Paulo, comandou a invasão, pela Tropa de Choque, do presídio do Carandiru para conter uma rebelião dos presos, invasão cujo saldo líquido foi a erradicação - usemos o vocabulário asséptico da administração pública - de 111 detentos. Assim como Adolf Eichmann, o burocrata nazista responsável pela logística de transporte - ou pior, evacuação - dos judeus para os campos de concentração, Ubiratan Guimarães pôde alegar que apenas cumpriu ordens. E mais: anos após o julgamento, o coronel Ubiratan Guimarães foi candidato a deputado estadual com a bandeira 14.111 e recebeu uma expressiva votação para assumir seu novo posto na Assembleia Legislativa".
Já em 2012, eu havia feito uma postagem aqui no blog sobre um conceito ou termo conhecido como Lei de Godwin, isto é, apesar de isso originalmente ter nascido na internet e em discussões de internet, não deixa de ser algo que acontece em nível social, ou seja, entre as pessoas - filosoficamente. Se existe a banalidade do mal, existe ainda mais a banalidade das comparações do mal ao nazismo. Independentemente do quão terrível foi o massacre do Carandiru, ele foi o massacre do Carandiru e não o nazismo... são coisas diferentes! Infelizmente a palavra "nazismo" se tornou uma palavra-chave que se encaixa em qualquer coisa mesmo - senão não viriamos tantos programas absurdos na grade do History Channel, por exemplo... e também, infelizmente, é muito fácil chamar qualquer coisa de fascista, nazista pelo simples impacto da palavra - daí a Lei de Godwin.

Por isso, o artigo vai se seguindo num discurso de muitas emoções fortes, de revolta contra esse mal, essa banalidade do mal. Eichmann em Jerusalém é um ótimo livro, mas ele não resolve a questão, ele apenas o relata, ao meu ver. Vassoler tenta resolver, em Fundamento da banalidade do mal dizendo que "Narciso gosta de se mutilar", caindo na lógica do mondo cane, capitalismo selvagem, competição, civilização e barbárie. É um pensamento bastante econômico e acaba caindo na Dialética do esclarescimento, no qual há os conceitos de "senhor" e "escravo", que Vassoler encontra como extremados nos campos de concentração novamente.

E o texto termina com mais uma narrativa emocionada sobre quão terríveis e maquiavélicos foram os nazistas e o pensamento nazista, mas não conseguimos chegar a lugar nenhum sobre por qual motivo, enfim, "Somos capazes de cometer inimagináveis atrocidades sem qualquer motivação maligna", assim como convida a chamada do sumário".

É por isso que eu prezo, ao estudar o nazismo e o mal, por uma aproximação ao âmago do ser humano - isto é, à psicologia, mitologia e filosofia, mas claro que também a história. Algumas pessoas acham isso nada convencional, no caso das duas primeiras opções, só que nesse caso, para mim é mais do que óbvio que precisamos estudar a psique humana para entender por que razão as pessoas agem dessa maneira, violentamente. Mesmo porque, no meu caso, eu não estou estudando exatamente o nazismo como fato histórico, mas o uso dele como metáfora... ao menos agora, na minha dissertação.

E pra quem acompanha o blog, minhas pesquisas, meus textos, está mais do que claro que está na nossa parte escura, no nosso inconsciente, na nossa sombra.

Não vou repetir tudo, já que o post ficou longo, então basta acessar as postagens antigas:

Carl G. Jung – O problema do mal no nosso tempo
Fascínio pelo mal, em Jung
Os discursos de Hitler e a culpa coletiva
Marie-Louise von Franz sobre o problema do mal

Caso o autor do artigo venha a encontrar esse post, não entenda como uma crítica, apenas uma resenha e um convite a conhecer essa outra abordagem do tema.

Um comentário:

  1. Nunca gostei de filosofia,pelo menos,era o que parecia pelas minhas notas a essa disciplina. Nunca consegui tirar uma positiva a essa disciplina,nem uma unica vez. Até breve amiga,fica com deus e muitos beijinhos!! http://musiquinhasdajoaninha.blogspot.pt

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