"Na política trata-se de liberdade, de emancipação do homem dos motivos de outros homens. Na política, portanto, o único pensamento apropriado é o finalístico. O desafio representado pela visão programática é pois a necessidade deaprendermos a pensar a-politicamente, se quisermos preservar a liberdade. Isto é paradoxo. Porque se continuarmos a pensar politicamente, finalisticamente, se continuarmos a procurar por motivos por detrás dos programas que nos regem, cairemos fatalmente vítimas da programação absurda, a qual prevê precisamente tais tentativas de "desmitização" como uma de suas virtualidades.
Podemos observar sempre melhor como o comportamento do indivíduo e da sociedade vai sendo programado por diferentes aparelhos. E podemos observar, além disto, o comportamento dos "instrumentos inteligentes", dos quais conhecermos os programas, e nos quais reconhecemos nosso próprio comportamento. (...) Há programadores. Mas a despeito disto: se persistirmos em pensar finalisticamente, se continuarmos a procurar desencobrir os programadores por detrás dos programas, e desmistificar seus motivos, perdermos de vista o que é essencial na cena. (...) Porque o essencial na cena é o fato que os programas, embora projetados por programadores, se autonomizam. Os aparelhos funcionam sempre mais independentemente dos motivos dos seus programadores. (...) A própria programação humana vai sendo programada por aparelhos. Por certo: determinados programadores se julgam, subjetivamente, "donos" das decisões e dos aparelhos. Mas, na realidade, não passam de funcionários programados para assim se julgarem. (...) Ambos, programadores e críticos, vão sendo recuperados pelos aparelhos. A liberdade morrerá se continuarmos a pensar politicamente, e a agir em função de tal pensamento.
Não devemos nem antropomorfizar nem objetivar os aparelhos. Devemos captá-los em sua concreticidade cretina de um funcionamento programado, absurdo. A fim de podermos compreendê-los e destarte inseri-los em metaprogramas. O paradoxo é que tais metaprogramas são jogos igualmente absurdos. Em suma: o que devemos aprender é a assumir o absurdo, se quisermos emancipar-nos do funcionamento. A liberdade é concebível apenas enquanto jogo do absurdo com aparelhos. Enquanto jogo com programas. É concebível apenas depois de termos assumido a política, e a existência humana em geral, enquanto jogo absurdo. Depende de se aprenderemos em tempo de sermos tais jogadores, se continuarmos a sermos "homens", ou se passaremos a ser robôs: se seremos jogadores ou peças do jogo."
Trecho do livro Pós-História, de Vilém Flusser. Capítulo "Nosso Programa"
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