domingo, 15 de dezembro de 2013

Udo Kultermann sobre arte política

Udo Kultermann é autor do livro New Realism, publicado em 1972, pela New York Graphic Society. Nesta obra, o historiador da arte escreve sobre hiperrealismo e especificamente no capítulo sobre os aspectos políticos desse gênero, ele abre parênteses para falar sobre o papel da obra de arte dentro da pólis, comparando o artista ao cientista, a forma como este age em relação à atuação científica e técnica, que ele também vislumbra na política.

O curioso desse capítulo é que, no entanto, ele acaba não falando exatamente sobre o hiperrealismo, mas sobre a obra de arte com aspecto político - o que não é o caso do hiperrealismo à época em que ele escrevia. Ele até menciona alguns trabalhos como Riot, de Duane Hanson, e War Protest March, de Audrey Flack, mas assim como seus contemporâneos, estas imagens são apenas registros e não uma "propaganda política". Como o próprio Kultermann analisa, essas pinturas são: "uma tentativa de objetificar a documentação de como o evento em questão realmente aconteceu. O significado político em questão é expressado muito mais pela alta seriedade ao tentar apresentar uma visão altamente disciplinada da realidade" (p.22).

O fotorrealismo, ou hiperrealismo, foi extremamente criticado já à sua época por conta da sua falta de crítica e profundidade, por apenas registrar aquilo que é e sem conter mais nenhum significado a ser desvendado. Alguns estudiosos do gênero, como Linda Chase, chegaram a defender que, no entanto, esta seria a grande inovação: a literalidade, a coisa por ela mesma, uma "filosofia" que já havia se iniciado com o movimento anterior, a Pop Art. Mas outros artistas subsequentes iriam quebrar essa linhagem e "dar sentido" às pinturas hiperrealistas, fosse com enigmas e referências, como no caso de Claudio Bravo, ou então como vemos nas provocações e estímulos das pinturas de Gottfried Helnwein.

De qualquer maneira, Udo Kultermann retorna à pintura dos anos 20 para se referir à arte política e se fazer claro, em seu texto:

Uma comparação com a arte dos anos 20 irá mostrar a diferença: uma obra de arte funcionava então como uma arma política contra um determinado inimigo político, enquanto que hoje uma obra de arte reflete o mais possível autêntico conhecimento do que realmente acontece e existe na realidade. Em contraste à essa arte propagandística, a qual transcende seus próprios limites por conta da ação política, e pela qual ainda é praticada hoje, apenas a complexa e envolvente representação da realidade atinge uma impressão mais profunda e mais duradoura. Assim como Chaim Koppelman diz: "Eu acredito que a arte não é uma fuga da vida. Não existe algo como uma boa obra de arte que apresente uma falsa imagem da realidade".
Num sentido mais básico, a arte política renuncia as possibilidades de mudar as realidades humanas e criar uma nova escala de valores na qual uma situação específica pode originar ações políticas bem estruturadas e responsáveis. No New Realism [hiperrealismo], nas obras de Duane Hanson, por exemplo, uma realidade constituída artisticamente cuja transformação, que é refletida através do dispositivo da ilusão, ensina-nos a ver a outra realidade.
 (...)
Para ambas a ação artística e política, a base para a mudança e para novos conceitos viáveis é inquirir sobre a realidade. Não é simplesmente ignorância, mas a incapacidade de reconhecer e definir o processo de inquirir que tem atrapalhado nossos melhores esforços prévios, formado lideranças irresponsáveis e obscurecido a verdade. São os conceitos e valores ganhos pela pesquisa e pela arte da observação precisa que devem ser determinados pelo curso da história, não armamentos ou exércitos, ou a acumulação de pura técnica, militarização ou poder político.
 Os técnicos e os políticos servem para executar e carregar nossos ideais postulados por artistas, filósofos e cientistas, os quais definem novos valores para a sociedade. Conforme a realidade é definida por esses valores, são sempre as mentes criativas e questionadoras que estão continuamente gerando essas novas realidades. O que nós, como uma sociedade, consumimos é consequência do que nós desejamos; assim, técnicos apenas produzem o que é já considerado nossa necessidade; políticos, também, funcionam principalmente como instrumentos de mandatos parcialmente entendidos.
A responsabilidade de reconhecer e definir esses valores responsivos a essas realidades pertence à toda sociedade e os líderes desse processo de investigação devem ser o artista e o cientista. O cientista comunica esse conhecimento através de hipóteses lógicas e prováveis, enquanto o artista demonstra sua compreensão da realidade através de meios mais subjetivos. Ambos, contudo, dependem da intuição e da percepção, experimento e disciplina, objetividade e formas tangíveis de imagética. O artista também tem efetividade ao iluminar o passado. Isso é alcançado através de seu conhecimento de formas eternas, as quais não depreciam, mas sustentam nossa consciência dos arquétipos (p.23). 
Epiphany III (Presentation at the Temple), 1998, tinta a óleo e acrílica sobre tela. 210 cm x 310 cm
Gottfried Helnwein

"Para mim, arte é a mais alta forma de comunicação, feita esteticamente. A estética da arte é capaz de penetrar em áreas, assuntos os quais você antes desconhecia. Na minha opinião, esse é o papel do artista: oferecer uma oportunidade de mostrar ao mundo a palavra, filtrada pelo próprio mundo do artista, às pessoas."
Gottfried Helnwein (Silence of Innocence, Claudia Schmid)

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