Devo confessar que entre todos os signos existenciais é o "?" aquele que mais significativamente articula, a meu ver, a situação na qual estamos. Creio que pode ser elevado a símbolo da nossa época com justificação maior que qualquer outro. Maior inclusive que a cruz, a foice e o martelo, e a tocha da estátua da liberdade. Mas elevado assim a símbolo deixa de ser, obviamente, o "?" um signo que ocorre em sentenças com sentido. Sofre o destino de todos os símbolos extrassentenciais: é equívoco e nebuloso. Contentemo-nos pois com o "?" como signo que ocorre em sentenças, mas saibamos manter fidelidade ao seu significado. Não será este o papel mais nobre da nossa poesia? Formular sentenças com sentido novo que tenham um significado que lhe é conferido pelo "?" pelo qual acabam? Formulando este tipo de sentenças, rasgará a poesia novas aberturas para um discurso que ameaça acabar em ponto final.
Vilém Flusser. ?.
Publicado originalmente em 22 de outubro de 1966 n'O Estado de São Paulo. Trecho retirado do livro A Dúvida, p.8, 2011, Editora Annablume
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