terça-feira, 26 de agosto de 2014

Indiferença

"Era necessário distinguir as dimensões individuais das sociais. Ter perdido a pátria, a família e a posição não bastava, aparentemente, para destruir o fundamento. Era preciso também ter perdido o estudo da filosofia, a possibilidade de seguir a vocação de escritor, e a fé no marxismo. Só quando as duas componentes se juntam é que o fundamento cede. E quando isto se dá, é preciso que se esconda o novo entusiasmo que isto cria. O entusiasmo da observação distanciada. Não é a desvalorização dos valores, nem muito menos a transvalorização dos valores, mas a indiferença dos valores. Tudo é indiferente, portanto tudo tem o mesmo valor para ser observado. Isto entusiasma. Os nazistas são tão interessantes quanto as formigas, a física nuclear tanto quanto a Idade Média inglesa, o próprio futuro tanto quanto o futuro da parapsicologia. Isto lembrava Schopenhauer. Mas lembrava também a atitude científica e o inferno. Abria horizontes. Abria, por exemplo, a cultura inglesa e a americana, até então ignoradas. Mas abria mais radicalmente a convicção de que todo provincianismo é enquadramento. Não importa se praguense ou londrina, a gente é provinciana se tem fundamento. Mas quem foi arrancado da ordem vê o mundo todo."
Vilém Flusser. Bodenlos. Uma autobiografia filosófica. Pg. 44.
Editora Annablume.

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