The Triumph of Doubt (1946), Victor Brauner |
Duvidar de tudo e continuar a viver - eis um paradoxo que, todavia, não é dos mais trágicos, já que a dúvida é muito menos intensa e angustiante que o desespero. A mais frequente é a dúvida abstrata, na qual é envolvida só uma parte do ser, ao contrário do desespero onde a participação é orgânica e total. Um certo diletantismo e algo de superficial caracterizam o ceticismo face ao desespero, este fenômeno tão complexo e estranho. Posso duvidar de tudo e opor ao mundo um sorriso de desprezo, mas isso não me impedirá de comer, de dormir tranquilamente ou de me casar. No desespero, do qual não se apanha a profundidade senão vivendo-o, esses atos são possíveis somente a preço de esforços e sofrimentos. Nos cumes do desespero, ninguém possui mais o direito ao sono. Desta maneira, um desesperado autêntico nunca esquece nada da sua tragédia: a sua consciência preserva a dolorsa atualidade da própria miséria subjetiva. A dúvida é uma inquietude ligada aos problemas e às coisas, e provém do caráter insolúvel de todas as grandes questões. Se os problemas essenciais pudessem ser resolvidos, o cético retornaria a um estado normal. Que diferença com a distuação de um desesperado o qual, mesmo resolvendo todos os seus problemas, jamais se tornaria menos inquieto, já que a sua inquietude brota da estrutura do seu ser. No desespero, a ansiedade é imanente à existência. Não são os problemas, então, mas as convulsões e as chamas interiores que torturam. Pode-se lastimar que nada neste mundo esteja resolvido; ninguém, todavia, se suicidou por isso.
Emil Cioran. Sur les cimes du désespoir.
Não posso evitar, acabei de ler o Discurso do Método, e Descartes está em minha mente. Só não posso duvidar da dúvida, pois assim estaria afirmando o que estou pondo em dúvida, logo, só posso duvidar se estiver pensando, logo existo (ou seria um ser maligno me fazendo acreditar nisso também). :P
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