sábado, 18 de dezembro de 2010

"Kunst ist Krieg"

Bem, fiz esse blog para abrir a discussão que estou desenvolvendo no meu trabalho de conclusão de curso (TCC), a monografia "Kunst ist Krieg - Música industrial como identidade cultural a partir do discurso belicista". Deixo um resumo do meu projeto de pesquisa pra vocês entenderem o que é e depois vou fazendo posts mais abertos à reflexão. Não vou colocar hipóteses pra justamente não ir influenciando o debate.

PS: Não deixem de ler a parte 'Legendas' na coluna ao lado.






Introdução

Esta pesquisa tem como intuito interpretar o discurso da música industrial, buscando compreender as idéias e a visão de mundo a partir dos rivethead, subcultura relacionada ao gênero musical, tendo como objeto as narrativas belicistas desenvolvidas nas letras, indumentária e sonoridade das bandas germânicas Feindflug e Nachtmahr.

Kunst ist Krieg* se estruturará em três partes: o nascimento da música industrial dentro dos acontecimentos históricos dos anos 1970 e 1980 (mantendo foco no contexto alemão e austríaco); a análise do objeto a partir das teorias dos estudos culturais (GROSSBERG, 1991), de identidade cultural (HALL, 2002) e de subcultura (BRILL, 2008; HEBDIGE, 2005); a interpretação dos discursos belicistas a partir de duas bandas (Feindflug e Nachtmahr), as quais darão base a um recorte sobre o comportamento, ideologias e estética dos fãs da música industrial dentro da atualidade.

Objetivos

A música industrial será tratada do ponto de vista dos estudos culturais e de identidade: como o contexto histórico pode influenciar a cultura de uma geração, repercutindo no nascimento de grupos organizados a partir de identificações como indumentária, gênero musical, ideologia, práticas sociais, ambientes freqüentados etc. Como a guerra (ou os resquícios desta) pode estar presente nas características visuais e psicológicas de uma subcultura.

Como exemplo, serão usadas as bandas Feindflug e Nachtmahr, que demonstram o uso do discurso belicista a partir das letras, indumentárias e sonoridade (sampleamento de sons de tiros, bombas, marcha, discursos políticos etc).

Kunst ist Krieg é uma tentativa de compreensão da influência do belicismo (seja ele referente aos acontecimentos contemporâneos às bandas ou menções ao passado) dentro de um movimento musical e subcultura.

Justificativa

As primeiras bandas de música industrial já eram adeptas à transgressão por meio do som e da imagem, abordando temas controversos tais como fascismo e satanismo. Não limitados à produção sonora, os grupos também atuavam nas artes plásticas, em performances e arte audiovisual. Ou seja, as manifestações não limitam suas provocações ao âmbito dos ouvidos, mas também à visão e à opinião. Segundo Hanley:
"The visual images that accompany these Industrial bands during their live performances, and in their music videos, work with the music to design environments resembling a futuristic urban wasteland. These visual images frequently contain distorted scenes of riots or warfare, pictures of cogs, hammers, robots, or soldiers. These impages, and others like them, evoke the imagery of World War II propaganda in their visual style and composition, which make use of bold colors, sharp lines, scenes of mass spetacles, and military themes. it is also quite common to find images that are directly related to World War II propaganda that promoted fascist ideologies or, more specifically, the German Nacional Socialista, or Nazi, political party.” (HANLEY, 2002, p.01)
Assim sendo, separamos duas bandas atuais como representantes desse movimento dentro da cena contemporânea da música industrial: porque recorrem à estética da Segunda Guerra Mundial, mais especificamente à da propaganda promovida pelas ideologias fascistas.

Feindflug

feindflug,info


Fundada em 1995 pela dupla de DJs Banane e Felix, a banda alemã produz canções inteiramente instrumentais – a exceção são enxertos de samples (amostras de som) retirados, por exemplo, de filmes dublados em alemão ou de discursos de Adolf Hitler* ou Klaus Kinski*.

Por muito recorrer a temas relacionados a regimes autoritários, pena de morte e guerra (especialmente a II Guerra Mundial e o Terceiro Reich), Feindflug acaba recebendo classificação de banda nazista. No entanto, o grupo que tem como mote “Use your brain and think about it”, indica em uma entrevista concedida em 2003 à revista Moving Hands:
“We bring the German history back to the people. We don’t say we approve or that we are proud of our history but nevertheless it is part of history and we can’t pretend it’s not there.” (DÜRING, F. 2005. In: A-political Feindflug)
Ainda que a Feindflug afirme não defender tais assuntos abordados em suas músicas, é fato que a dupla alemã possui interesse e apreço pela temática militar. Desde o título da banda (literalmente, vôo inimigo), que é uma expressão militar muitas vezes utilizada em guerras, até a característica visual. Segundo a dupla, em uma entrevista concedida em 2002 ao D-Side:
"No nation can exist without a suitable equipped military. We're all aware of the fact that sometimes political aims can't be maintained or succeed in getting done by talking. Sometimes deterrence is already successful. That's the reason why we're pro reasonable military. But we don't sleep in army tents and we aren't wearing military clothes all the time! People try to push us into that corner but we're able to cope with other subjects. I think the new CD ‘Hirnschlacht’ shows that very well." (MICHEL, Guillaume. Feindflug. In: D-Side, 2002)
A temática está presente também nas roupas, nos encartes de CD e na tipografia do logo. Nas apresentações ao vivo, a dupla se une a outros artistas, totalizando sete membros que são responsáveis pela reprodução das músicas.



O quepe utilizado pelo integrante da Feindflug se assemelha ao acessório usado pela Waffen Schutzstaffel (SS), sendo que o músico adiciona o logo da banda em vez da Totenkopf* e da águia de ferro

Na primeira imagem, o músico marca o rosto com listras pretas como as do soldado da primeira divisão da LRRP na 1ª Airbone Division . A camuflagem é chamada de “tiger stripes” ou listras de tigre.




A primeira foto foi tirada num show da Feindflug, ilustrando o bumbo utilizado para a apresentação, o qual foi customizado de acordo com o costume da juventude hitlerista (Hitlerjugend). Além disso, o chapéu do músico da esquerda se assemelha ao mesmo acessório usado pela Kriegsmarine.

Nachtmahr

Thomas Rainer e modelos


Criado em 2007 por Thomas Rainer, um ex-militar que preferiu se dedicar à música em vez de seguir carreira no exército, Nachtmahr é o terceiro projeto do artista austríaco em 11 anos (os anteriores foram L’Ame Immortelle e Siechtum). Diferente das outras iniciativas, a atual banda, que acaba de lançar seu último álbum, Semper Fidelis (2010), traz mais músicas dançantes e remixadas ao molde da música industrial, destinadas aos clubes góticos e às pistas de dança. Essa intenção é tão exposta por Rainer, que o mote escolhido é: “I only have one interest: I don’t care if you live or die: I just wanna see you dance!”*
As música possuem amostras de som de ritmos de marcha, discursos em alemão etc. No entanto, nas letras não existe nada declaradamente bélico, se visto isoladamente do conjunto som e imagem (indumentária e arte visual). O mais marcante da banda está em como se apresenta: com mulheres vestidas em fardas nazistas ou soviéticas, com o cantor vestido em abrigo militar, com bandeiras vermelhas com a letra “N” substituindo a original suástica.
Encarte do álbum Feuer Frei (2008) com prédios antigos e uma multidão em protesto, sendo que uma das placas levantadas carrega o símbolo da paz, feito em 1958, para uma campanha pelo desarmamento nuclear. Esse mesmo ícone foi usado pelos hippies.
Thomas Rainer, vestido como os uniformes da SS, e duas modelos. Essas mulheres são freqüentemente utilizadas em performances, fotos e representações da banda. Vestidas com um uniforme semelhante ao da Liga das Moças Hitleristas (Bund Deutscher Mädel), elas acompanham a encenação do artista, que interpreta um líder militar. Ao mesmo tempo, sobre o mapa há um sintetizador.
A segunda imagem bem ilustra as explicações que Thomas dá aos recorrentes questionamentos sobre o visual militar que a banda possui. Em entrevista ao site Cyber-Angels, Rainer afirma ao ter Nachtmahr comparada à Feindflug por causa da estética bélica:

“The concept of ‘Art is war’ was very clear from the very beginning. As I had nearly decided to become a professional soldier after my military service when I was 18, that whole world is very well known to be. I prefered my musical career for a military career that time but I never could stop seeing a lot of paralells between these two lifestyles, which I wanted to point out in the concept of NACHTMAHR. John Knittel wrote: ‘a musician can only achieve success through the constant and restless struggle with himself, an effort of strong nerves and energy that only the strongest can survive’ ….got the message?” (Nachtmahr. In: Cyber-Angels)
Assim como Rainer assume sua comparação entre a música e a guerra (por isso, na foto, o sintetizador se localiza numa encenação de planejamento de ataque), existem as comparações mais diretas à estética nazista. Sua resposta é: “Obviously, we have nothing to do with that; there are just people who just always think of the bad words which begans with ‘N’ all the time.” (LYNCH, 2009)

A ambiguidade do discurso põe em voga o questionamento feito por este estudo e justifica a escolha das bandas (Feindflug e Nachtmahr) como representantes de uma identidade cultural, de uma manifestação artístico-ideológica referente à subcultura rivethead, a qual tem como fomento a música industrial e temática o belicismo*.

Bibliografia

AMARAL, Adriana. “Qualquer um pode tocar guitarra” ou “Ataque de DJ”: A performance nas representações do rock e da música eletrônica nos games musicais Guitar Hero e DJ Hero. In: BARBOSA, M. Intercom 2010 – Comunicação, Cultura e Juventude. São Paulo: Intercom, 2010

______, Adriana. Cybersubculturas e cybercenas. Explorações iniciais das práticas comunicacionais electro-goth na Internet. Revista FAMECOS, v.33. Porto Alegre: 2007

______, Adriana. Visões obscuras do underground: Hackers e Rivetheads - O cyberpunk como subcultura híbrida. 2005. Disponível em: http://www.bocc.uff.br/pag/amaral-adriana-visoes-obscuras-underground.pdf (Acesso em: 4 de outubro de 2010)

______, Adriana. Visões Perigosas. Para uma genealogia do cyberpunk. E-Compós. Brasília: 2006

BAITELLO JUNIOR, Norval; MENEZES, José Eugênio de Oliveira (Org.). Os símbolos vivem mais que os homens: ensaios da comunicação, cultura e mídia. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, Cité du design, 2006

BORELLI, Silvia H. S.; FREIRE FILHO, João. Culturas Juvenis no Século XXI. São Paulo: Educ, 2008

BYSTRINA, Ivan. Distanciamento e Envolvimento - uma Oposição. In: Revista Ghrebh, vl.1, n.13. São Paulo: 2009. Disponível em: http://revista.cisc.org.br/ghrebh/index.php?journal=ghrebh&page=article&op=view&path%5B%5D=48 (Acesso em 6 de outubro de 2010)

BRILL, Dunja. Goth Subculture: Gender, Sexuality and Style. Londres: A & C Black, 2008

CHNAIDERMAN, Miriam. Música e Psicanálise. Ensaios de Psicanálise e Semiótica. São Paulo: Escuta, 1989

COLLIN, Karen S. Dead Channel Surfing: the commonalities between cyberpunk literatura and industrial music. In: Popular Music, Vol. 24, No. 02. 2005

DUGUID, Brian. A Prehistory of Industrial Music. 1995. Disponível em: http://media.hyperreal.org/zines/est/articles/preindex.html (Acesso em: 24 de setembro de 2010)

HALL, Stuart; GROSSBERG, Lawrence; NELSON, Cary; TREICHLER, Paula; Cultural Studies. Routledge, 1991

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002

HANLEY, Jason J. “The Land of Rape and Honey”: The Use of World War II Propaganda in the Music Videos of Ministry and Laibach. American Music, n.22. Estados Unidos: University of Illinois Press, Spring 2004

HEBDIGE, Dick. Subculture: The Meaning of Style. Londres: Routledge, 2005

HITLER, Adolf. Minha Luta. São Paulo: Centauro, 2008

HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: O Breve Século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 2008

HODKINSON, Paul. Goth: identity, style, and subculture. New York: Berg, 2002.

JUNO, Andrea; V, Vale. Re/Search #6/7: Industrial Culture Handbook. São Francisco: V/Search, 1983

LEIGHT, Adam. Just Fascination: Extreme Political Imagery in Underground Industrial Music. 2008. Disponível em: http://www.unaesthetic.com/ (Acesso em 7 de outubro de 2010)

KUSHNER, Nick. The Nachtkabarett: Marilyn Manson, art & the occult. Florida: 2004

LOPES, Anchyses Jobem. Afinal, que quer a música? Estudos de Piscanálise do Rio de Janeiro, n.29. Rio de Janeiro: 2006

LUTTWAK, Edward. Por que o fascismo é a onda do futuro. Novos Estudos, n.40. São Paulo: CEBRAP, 1994

LYNCH, Dominich. Nachtmahr – No Sweet Dreams Here. Disponível em: http://www.regenmag.com/Interviews-278-Nachtmahr.html (Acesso em: 6 de outubro de 2010)

MONROE, Alexei. Interrogation Machine: Laibach and NSK. Cambridge: MIT Press, 2005

PHIL. Chemlab - Teaching you how to bleed. 2008. Disponível em: http://www.regenmag.com/index.php?module=pagesetter&func=viewpub&tid=3&pid=35 (Acesso em: 24 de setembro de 2010)

PROSS, Harry. Esctructura simbólica del poder. Barcelona: Gustavo Gili, 1980

SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. São Paulo: Unesp, 2001

SILVA, Tomaz Tadeu da; HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000

THOMPSON, Dave. Industrial revolution. Cleopatra, 2002

TOGLIATTI, P. Lições sobre o fascismo. São Paulo: Ed. Ciências Humanas, 1978.

WHITE, Ray. Musique Concrète. 2001. Disponível em: http://www.glias.org.uk/glias/rws/pgs/rx01.htm (Acesso em: 4 de outubro de 2010)

WOODS, Bret. Industrial Music for Industrial People. Florida State University ETD Collection, 2007

Marilyn Manson’s satanic nazism. Disponível em: http://raumfahrer.wordpress.com/manson (Acesso em: 24 de setembro de 2010)

Rammstein’s nazi code.
Disponível em: http://raumfahrer.wordpress.com/rammstein/ (Acesso em: 24 de setembro de 2010)






[1].



[1] Tape music é uma forma de música que apareceu depois da criação da gravação em fita magnética, de forma que as pessoas se tornaram capazes de formar sons que seriam reproduzidos sucessivamente de maneira idêntica. A partir disso, foi possível de se criar a música concreta (WHITE, 2001). Já o ruído branco é uma sonoridade alcançada a partir da combinação simultânea de sons de todas as frequências. O sintetizador é um instrumento musical eletrônico que utiliza gerador de filtros e tons para criar ondas sonoras e o seqüenciador é um equipamento ou software capaz de unir e gravar sequências musicais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário