quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Celebridades: a diferença entre fama e grandeza

Esse é um post meio diferente aqui no blog, um espaço em que eu normalmente falo sobre arte, filosofia e cultura. Mas recentemente eu comprei na Amazon a versão digital do livro The Image: A Guide to Pseudo-Events in America de Daniel Boorstin, no qual ele analisa a cultura pop americana, basicamente. Comprei tanto para a minha dissertação quanto para, mais tarde, quando tiver um tempinho livre, conseguir fazer uma análise do vídeo promocional que a Lana Del Rey lançou no ano passado, o Tropico, porque achei que tinha muito a ver justamente com os temas que estou estudando atualmente no mestrado - por mais incrível que possa parecer, para quem está de fora.


Eu publiquei uma "palhinha" no meu Facebook, mas nesse curta que a cantora americana fez, ela coloca artista de cultura pop americana como se fossem deidades, inclusive pondo-os no mesmo patamar de Jesus - Elvis, Marilyn Monroe e John Wayne aparecem juntos de Cristo no início da obra, que se inicia com a música Body Electric, na qual o primeiro verso, Lana canta "Elvis is my daddy, Marilyn's my mother, Jesus is my bestest friend" enquanto os personagens estão num cenário que emula o Éden/Paraíso do qual eles são expulsos para, finalmente, viverem nos Estados Unidos, em Los Angeles - uma cidade que, enfim, significa "Os Anjos". Mas vou deixar isso para outro post... mesmo porque, nesse livro do Boorstin, há passagens bem interessantes em que ele relaciona celebridades e heróis, inclusive mencionando o personagem Hércules, que no fim das contas, é uma figura mitológica que é um semi-deus, filho de Deus, assim como Jesus. Enfim, deixo para outra postagem.

Aqui eu gostaria de reunir algumas citações que achei interessantes, porque eu havia ouvido na faculdade, numa das aulas de teoria da comunicação que celebridade é aquela pessoa que é famosa simplesmente por ser famosa. Em tempos de início de um novo reality show, parece ser um bom timing para falar sobre isso, mas meu propósito nem é falar sobre essas pessoas necessariamente, apesar de Boorstin talvez se dedicar mais a esse tipo de fenômeno "relâmpago".

Shakespeare, em linhas familiares, dividiu grandes homens em três classes: os que nasciam grandiosos, os que conquistavam a grandeza e aqueles que a grandeza lhes era introduzida. Nunca ocorreu a ele mencionar aqueles que contratavam experts em relações públicas e assessores de imprensa para fazê-los parecerem grandiosos (posição 740).

Obviamente, nunca houve um tempo em que "fama" era a mesma coisa que "grandeza". Mas até muito recentemente, pessoas famosas estavam quase nesse mesmo grupo (posição 746).

No último século, e especialmente desde 1900, parece que estamos descobrindo processos nos quais a fama é manufaturada. (...) A Revolução Gráfica, de repente, deu-nos, entre outras coisas, os meios de fábricar o renome. Ao descobrimos que nós (os que assistem tv, vão ao cinema, ouvem rádio, lêem jornais e revistas) e nossos serviçais (a televisão, o cinema, os produtores de rádio, os editores de jornal e revista, e publicitários) podem tão rápida e efeticamente dar a um homem "fama" (posição 763). 

Novamente confundindo nossa capacidade com nossa necessidade, temos preenchido o mundo com fama artificial. (...) Tendo manufaturado nossas celebridades, tendo, quer queiramos ou não, feito deles nossa Ursa Menor - a estrela-guia de nosso interesse - nós estamos tentados a acreditar que eles não são sintéticos de maneira alguma, que eles são ainda, de alguma maneira, heróis divinos que agora abundam com uma maravilhosa prodigalidade moderna (posição 769).

Nós podemos fabricar fama, podemos quando quisermos (apesar de normalmente ter um custo considerável) fazer um homem ou uma mulher bem conhecidos; mas nós não podemos fazê-los grandiosos. Nós podermos fazer uma celebridade, mas nós não podermos fazer um herói (posição 784). 

Celebridade é uma pessoa que é conhecida por ser bem conhecida.

Suas qualidades - ou melhor, sua falta de qualidade - ilustram nossos problemas peculiares. (...) Ele é um pseudo-evento humano. Ele tem sido fabricado no propósito de satisfazer nossas expectativas exageradas de grandeza humana. Ele é moralmente neutro. O produto de nenhuma conspiração, de nenhum grupo promovendo vício ou vazio, ele é feito por homens honestos, zelosos e de ética altamente profissional, que fazem seu trabalho, "informando" e educando-nos. Ele é feito por todos nós que, de bom grado, lemos sobre ele, que gostamos de vê-lo na televisão, que compramos as gravações de sua voz e que falamos sobre ele para nossos amigos. Suas relações com a moralidade e mesmo com a realidade são altamente ambíguas (posição 927).

Celebridades populam nosso horizonte com homens e mulheres que nós já conhecemos. Ou, como uma propaganda da Celebrity Register coeremente coloca, celebridades são "os 'nomes' que, uma vez ditos pelas notícias, agora fazem as notícias por eles mesmos". A celebridade é feita pela simples familiaridade, induzida e reenforçada pelos meios públicos. A celebridade, portanto, é a pefeita personificação da tautologia: a mais familiar é o mais familiar (posição 982).

BOORSTIN, Daniel J. The Image. A Guide to Pseudo-Events in America. Nova Iorque: Vintage Books, 1992. Versão E-book.

E com isso eu encerro esse post lembrando de uma conversa que eu tive com Bruce Sterling, escritor de americano de ficção científica, com o qual eu chorei minhas pitangas reclamando de como eu acho um saco ficar fazendo publicidade de si mesmo e de como tem coisa (ou gente) que faz sucesso, mas é um lixo (daí a relação, ou diferença, entre fama e grandeza)... e foi aí que, num outro dia, ele me deu um autógrafo com essas seguintes palavras:

"Showing up is 90% of everything"

Mas... para darmos um curto-circuito... ficamos novamente com Boorstin:




Shakespeare, in the familiar lines, divided great men into three classes: those born great, those who achieved greatness, and those who had greatness thrust upon them. It never ocurred to him to mention those who hired public relations experts and press secretaries to make themselves look great (posição 740).
Of course, there never was a time when "fame" was precisely the same thing as "greatness". But, until very recently, famous men and great men were pretty nearly the same group (posição 746).
Within the last century, and especially since about 1900, we seem to have discovered the processes by which fame is manufatured. (...) The Graphic Revolution suddenly gave us, among other things, the means of fabricating well-knownness. Discovering that we (television watchers, the movie goers, radio listeners, and newspaper and magazine readers) and our servants (the television, movie, and radio producers, newspaper and magazine editors, and ad writers) can so quickly and so effectively give a man "fame" (posição 763).  
We can fabricate fame, we can at will (though usually at considerable expense) make a man or woman well known; but we cannot make him great. We can make a celebrity, but we can never make a hero (posição 784).  
The celebrity is a person who is known for his well-knownness.
His qualities - or rather his lack of qualities - illustrate our peculiar problems. (...) He is the human-pseudo event. He has been fabricated on purpouse to satisfy our exagerrated expectations of human greatness. He is morally neutral. The product of no conspiracy, of no group promoting vice or emptiness, he is made by honest, industrious men of high professional ethics doing their job, "informing" and educating us. He is made by all of us who willingly read about him, who like to see him on television, who buy recordings of his voice, and talk about him to our friends. His relation to morality and even to reality is highly ambiguous (posição 927). 
Celebrities populate our horizon with men and women we already know. Or, as an advertisement for the Celebrity Register cogently puts it, celebrities are "the 'names' who, once made by news, now make news by themselves". Celebrity is made by simple familiarity, induced and reenforced by public means. The celebrity therefore is perfect embodiment of tautology: the most familiar is the most familiar (posição 982).

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